Amazônia não precisa de tutores. O sertão não precisa de piedade. O Brasil precisa de reconhecimento.
Um pacto ambiental brasileiro
O Brasil atravessa uma encruzilhada civilizatória. Nossos biomas — da Amazônia à Caatinga — são tratados ora como vitrines de exploração internacional, ora como espaços de piedade social, sem o devido reconhecimento do papel que suas populações desempenham na manutenção do equilíbrio ecológico.
O Projeto Ibaretama surge como resposta concreta a essa distorção: transformar a polinização — o serviço ecossistêmico mais essencial à vida — em instrumento de remuneração ambiental justa, dentro da estrutura da Lei nº 14.119/2021, que institui a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), consubstanciada em diversas leis estaduais, mas ainda carente de regulamentação efetiva.
Diagnóstico crítico dos biomas brasileiros
Cada bioma brasileiro sofre, à sua maneira, os efeitos da desatenção histórica:
- O Cerrado, berço das águas, é devastado pelo agronegócio sem compensação justa.
- A Amazônia enfrenta uma tutela externa que finge protegê-la, mas a mantém subordinada a agendas globais — ou a novos projetos nacionais — quando já existem leis aos borbotões aguardando execução.
- A Caatinga, bioma exclusivo do Nordeste, é reduzida à imagem da seca, quando na verdade abriga uma das floras mais ricas para a apicultura e a regeneração natural. O semiárido é reconhecido por produzir mel naturalmente orgânico, cuja produção é destinada em cerca de 90% ao mercado norte-americano.
- A Mata Atlântica resiste fragmentada, sobrevivendo em pequenas reservas.
- O Pantanal, o Centro Oeste e os Pampas sofrem com a monocultura e o fogo, perdendo biodiversidade a cada safra.
- O denominador comum é claro: a ausência de um modelo econômico que valorize a conservação como produção de riqueza.
A Embrapa comprova que a polinização pode aumentar em até 11% a produtividade da soja, sem a necessidade de abrir um único hectare adicional, e que, no caso do cajueiro, o incremento pode chegar a 30%, com desmatamento zero.
Ou seja, a natureza, quando respeitada e estimulada, produz mais, melhor e de forma sustentável. - O mesmo raciocínio aplica-se à Amazônia, onde a riqueza não está nas árvores derrubadas, mas nas florestas vivas e produtivas.
Cada hectare preservado, quando manejado com inteligência ecológica, pode gerar renda contínua por meio da polinização, da regeneração natural e do uso sustentável da biodiversidade.
A floresta em pé, aliada à ciência e à apicultura, vale mais do que qualquer campo devastado
A omissão nacional e a inversão de valores
Enquanto o mundo cria mercados de carbono e fundos de compensação ambiental, o Brasil continua sem reconhecer economicamente os verdadeiros guardiões do equilíbrio ecológico — os apicultores, meliponicultores e pequenos agricultores que mantêm a polinização ativa, regenerando solos, florestas e mananciais.
Na Europa, o pagamento por serviços ambientais já é realidade há muitos anos, consolidado como instrumento de justiça ecológica e equilíbrio produtivo.
- Aqui, porém, pagamos pela degradação, mas não pela preservação.
- Financiamos quem destrói, mas não quem conserva.
- Essa inversão é a raiz do desequilíbrio ambiental e social.

A polinização como serviço ambiental estratégico
Mais de 75% das espécies vegetais cultivadas dependem da polinização.
Sem abelhas, não há flores, nem frutos, nem sementes — e, portanto, não há alimento.
A apicultura e a meliponicultura, ao promoverem a polinização natural, prestam um serviço ambiental contínuo, silencioso e essencial.
Por isso, o pagamento por serviços ambientais (PSA) deve reconhecer a atividade polinizadora como ativo econômico de primeira ordem.
O Projeto Ibaretama – Um modelo brasileiro de justiça ecológica
O Projeto Ibaretama, desenvolvido pelo Instituto Brasileiro de Apicultura e Meliponicultura (IBRAM), propõe um modelo replicável e de baixo custo de PSA, baseado em polinização e certificação ambiental, integrando:
- Cadastro georreferenciado de apicultores, meliponicultores e, com especial ênfase, cadastro de povos indígenas meliponicultores e suas áreas polinizadas;
- Parcerias entre apicultores e proprietários rurais;
- Monitoramento e valoração ambiental por hectare polinizado, utilizando tecnologias já disponíveis no país;
- Certificação com rastreabilidade, conforme diretrizes de certificadoras reconhecidas e alinhadas aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) — ressaltando que instituições nacionais como a USP poderiam implementar modelos de certificação de baixo custo e alta confiabilidade;
- Plataforma digital (GeoIBRAM) para registro, monitoramento e transparência das operações.

Cada colmeia, devidamente cadastrada, representa 1 hectare de área polinizada, e cada hectare conservado representa um crédito ambiental passível de remuneração sob o Programa Federal de PSA.
Caminhos práticos e políticas de integração
O caminho é nacional, exequível e de alto retorno social:
- Implantar o cadastro nacional de apicultores e meliponicultores, integrando dados da CBA, FAEC, SENAR e órgãos estaduais.
- Instituir o reconhecimento da polinização como categoria de PSA no âmbito do Ministério do Meio Ambiente.
A lei já existe — e, por isso, a Confederação Brasileira de Apicultura e Meliponicultura (CBA) deve integrar o Comitê Gestor do PSA. - Capacitar apicultores e proprietários rurais para manejo sustentável e certificação.
Capacitar também o povo da floresta no manejo do que mais conhecem: as abelhas indígenas, reconhecendo esse valor através do cadastro de seus meliponários.
O modelo de caixa do IMPA é o mais eficiente do Brasil e de fácil manuseio. - Criar um fundo de valoração da polinização, vinculado ao Programa Federal de PSA, garantindo que os recursos sejam destinados diretamente ao apicultor e ao meliponicultor georreferenciados.
- Conectar os pagadores ambientais (empresas, fundos, prefeituras) diretamente aos provedores ambientais (apicultores e meliponicultores) por meio da Plataforma GeoIBRAM.
Da piedade ao reconhecimento
O Projeto Ibaretama não pede piedade nem tutela.
Propõe reconhecimento, ciência e remuneração justa.
É gritante que, em uma COP30 dedicada ao futuro do planeta, a maior entidade brasileira da apicultura — a Confederação Brasileira de Apicultura e Meliponicultura (CBA), que representa mais de vinte federações e milhares de associações de apicultores, não tenha assento, nem voz, nem escuta.
Como falar em mudanças climáticas sem ouvir quem garante a polinização, base de toda a cadeia alimentar?
Como debater justiça climática ignorando os povos que trabalham com as abelhas, símbolo vivo da harmonia entre natureza e produção?
Nenhum acordo global será justo se as abelhas não forem ouvidas.
Nenhuma política ambiental será legítima se os apicultores e meliponicultores não forem reconhecidos como provedores de serviços ambientais.
A Amazônia não precisa de tutores.
O sertão não precisa de piedade.
O Brasil precisa de reconhecimento, justiça e coerência.
Conservar deve valer tanto quanto produzir — e a abelha, símbolo de vida e equilíbrio, deve ser também símbolo de justiça ambiental e social.

Instituto Brasileiro de Apicultura e Meliponicultura – IBRAM
Jeovam Lemos Cavalcante, é apicultor, Advogado da Confederação Brasileira de Apicultura, membro da Camara Setorial do Mel do MAPA e fundador do IBRAM BRASIL
Fortaleza, Novembro de 2025

