Projeto do mma excluiu abelhas da biodiversidade da caatinga

Editor IBRAM

Jeovam Lemos Cavalcante, apicultor, membro da Câmara Nacional do Mel/MAPA e Presidente do Instituto Brasileiro de Apicultura e Meliponicultura – IBRAM

Em 2014, o Ministério do Meio Ambiente, atual Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, lançou o projeto  “Áreas Prioritárias para a Conservação, Uso Sustentável e Repartição de Benefícios da Biodiversidade da Caatinga”-  Projeto BRA/11/001 – Processo nº 2000.007776/2014-8. O objetivo era definir áreas prioritárias na Caatinga para promover a proteção da biodiversidade e o uso sustentável dos recursos. Uma das justificativas do Projeto era o fato que a “caatinga é o bioma menos conhecido do pais, já que se realizaram poucas coletas no mesmo. Dados atuais indicam uma grande riqueza de ambientes e espécies, sendo que muitas destas espécies ocorrem somente na caatinga”. O projeto contou com a colaboração de organizações como a Associação Caatinga, Associação Planta do Nordeste, The Nature Conservancy e WWF Brasil.

Embora o projeto seja louvável, a ausência da apicultura e dos polinizadores nas discussões e definições revela uma visão limitada sobre o que realmente sustenta a biodiversidade da Caatinga e as comunidades que dela dependem.

Apicultura e polinização: Alicerces esquecidos da sustentabilidade na Caatinga

A Caatinga, único bioma exclusivamente brasileiro, abriga uma biodiversidade rica e única, adaptada às condições semiáridas. Nesse contexto, as abelhas desempenham um papel fundamental na promoção da polinização das plantas nativas, garantindo a reprodução de espécies essenciais para o equilíbrio ecológico. A apicultura e a meliponicultura no semiárido nordestino são atividades econômicas sustentáveis ​​que protegem a biodiversidade e geram segurança alimentar e renda para as comunidades locais.

Apesar dessa importância, o projeto não consultou associações de apicultores nem especialistas em polinização durante sua elaboração, uma missão que compromete a profundidade e a eficácia dos objetivos de conservação. A polinização das abelhas  é essencial para a regeneração natural das plantas e alinha-se diretamente aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e aos princípios ESG (Governança Ambiental, Social e Corporativa). Ignorar o papel vital da apicultura e dos polinizadores limita o escopo do projeto, desconsiderando um dos principais elementos de sustentabilidade do bioma.

Apicultura e Polinização: Contribuições Diretas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável

A apicultura e a polinização se alinham diretamente com os seguintes ODS:

ODS 15 – Vida Terrestre : Apoia a preservação da biodiversidade e a regeneração de ecossistemas.

ODS 2 – Fome Zero e Agricultura Sustentável : Promover a segurança alimentar ao apoiar culturas agrícolas e plantas nativas.

ODS 13 – Ação Contra a Mudança Global do Clima : A prática apícola reduz a pegada ecológica e incentiva práticas sustentáveis.

ODS 11 – Cidades e Comunidades Sustentáveis : Fortalecer economias locais e apoiar a produção sustentável.

A apicultura e a meliponicultura são práticas que promovem o uso responsável dos recursos naturais e fortalecem as comunidades locais. Excluir as abelhas e os apicultores é ignorar uma das estratégias de conservação mais naturais e regenerativas, com impacto direto na biodiversidade e na sustentabilidade do bioma.

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A Ausência das associações de apicultores: Consequências para a conservação

A ausência de associações de apicultores e de especialistas em polinização prejudicou a qualidade dos dados essenciais para a conservação da Caatinga. A experiência dos apicultores, juntamente com sua compreensão das dinâmicas ecológicas locais, poderia ter enriquecido a definição das áreas prioritárias e a criação de estratégias de conservação mais estratégicas e integradas. Essa exclusão revela uma abordagem limitada que possui características polinizadoras essenciais para a biodiversidade e para o desenvolvimento socioeconômico das comunidades.

Os apicultores do semiárido são constituídos por homens e mulheres que percorrem diariamente trilhas para captura de abelhas selvagens, manejam apiários em áreas de Caatinga e desenvolvem projetos de denominação de origem para o mel da região. Em algumas localidades, trabalha com a produção de própolis de jurema e outras resinas típicas do bioma, criando um impacto direto na preservação de espécies nativas e na economia sustentável.

Plantas Medicinais e o Papel dos Polinizadores na Caatinga

A importância dos polinizadores é particularmente evidente no caso das plantas medicinais da Caatinga, como a Aroeira (Myracrodruon urundeuva), o Angico (Anadenanthera colubrina), a Imburana-de-cheiro (Amburana cearensis) e o Pau d’arco/Ipê-roxo ( Handroanthus impetiginosus). Essas plantas, amplamente utilizadas na medicina popular, têm propriedades anti-inflamatórias, expectorantes e cicatrizantes, entre outras. Sua sobrevivência e propagação, no entanto, dependem de polinizadores específicos, especialmente das abelhas. Exemplos incluem:

Aroeira : Suas flores atraem abelhas nativas, que promovem a polinização cruzada e aumentam a resiliência da planta.

Angico : As abelhas que buscam o néctar de suas flores garantem a reprodução anual da planta.

Imburana-de-cheiro : A polinização pelas abelhas mantém a abundância da espécie, importante para o tratamento de problemas adversos.

Pau d’arco/Ipê-roxo : Suas flores ricas em néctar atraem abelhas, que garantem a continuidade da planta.

Essas interações demonstram o papel vital dos polinizadores para a sustentabilidade do bioma e o bem-estar das comunidades.

Um apelo pela inclusão da apicultura e polinização na conservação da Caatinga

Diante do exposto, o IBRAM propõe uma revisão do Projeto BRA/11/001 para incluir a apicultura e a polinização como componentes centrais na estratégia de conservação da Caatinga. A presença das associações de apicultores e de especialistas em polinização traria um novo patamar de conhecimento, garantindo que o projeto seja realmente representativo da complexidade ecológica e das necessidades de preservação do bioma.

Destaque que esse processo de atualização das Areas Prioritarias para Conservação, Uso Sustentavel e Repartição dos Beneficios da biodiversidade no Bioma Caatinga esta previsto para acontecer a cada cinco anos. Fora esse de 2014, iniciado o processo de Licitação em 2013, ocorreu outra atualização em 2007. E o momento adequado para que na próxima atualização, estabeleça-se o  GT DOS INSETOS, do que faz parte a abelha, assim como foi feito para grupos de animais, de plantas, de aves, de mamíferos, etc.

A Caatinga depende de um modelo de conservação que respeite sua singularidade e que integre todos os elementos essenciais para sua sustentação. O Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima tem agora a oportunidade de reposicionar o projeto, expandindo seu escopo para considerar o papel insubstituível das abelhas e dos apicultores. Uma abordagem integrada, que valoriza e protege os polinizadores, será decisiva para a preservação desse bioma único, consolidando o Brasil como líder em políticas de conservação inclusivas e sustentáveis. A Caatinga, sua biodiversidade e suas comunidades dependem de uma decisão que integre verdadeiramente o valor de cada espécie e prática sustentável.

A conservação dos polinizadores: Essencial para a sustentabilidade

Proteger as abelhas e outros polinizadores da Caatinga vai além da preservação da biodiversidade; trata-se de proteger o saber tradicional, uma medicina popular e a continuidade do ecossistema. O trabalho dos polinizadores conecta-se diretamente às práticas de medicina popular com a conservação da natureza, beneficiando ecossistemas inteiros. Um projeto de conservação que negligencia o papel dos polinizadores desconsidera um dos maiores agentes de sustentabilidade e resistência  do bioma.

Assim, ao incluir os insetos polinizadores nas estratégias de conservação, garantimos um futuro mais equilibrado e sustentável para a Caatinga, onde as plantas medicinais e o conhecimento tradicional das comunidades locais continuam a florescer. Essa abordagem assegura não apenas a preservação da biodiversidade, mas também fortalece a resistência das comunidades, seu potencial de desenvolvimento sustentável e o papel do Brasil como guarda de um bioma singular.

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